Se topar com
o documentário Sigo Siendo em algum
lugar, não hesite. Veja. É uma viagem emocionante ao Peru pela história de seus
mais importantes músicos tradicionais. No belo filme de Javier Corcuera, as
melodias se desprendem não só das vozes e dos instrumentos nas mãos de músicos talentosos,
mas das águas dos rios, dos cenários montanhosos dos Andes, da selva amazônica
e dos desertos de Lima e da costa peruana.
O fio
condutor do filme é a história do violinista Máximo Damián, um dos mais
importantes representantes da música folclórica peruana. Sigo Siendo (Kachkaniraqmi,
em quéchua - língua em que se expressam vários dos personagens do filme) fala
da volta às origens. E Damián faz uma viagem de volta às suas raízes, aos lugares
onde viveu. Relembra sua amizade com músicos e com o escritor e antropólogo
peruano José María Arguedas, que foi grande defensor e difusor da cultura
quéchua. Arguedas dedicou a Damián o livro El Zorro de Arriba y el Zorro de abajo.
E nessa
peregrinação musical pelo Peru, Máximo Damián passa pelo distrito de El Carmen,
em Chincha (ao sul de Lima), onde ocorre uma das cenas memoráveis do filme: a
romaria ao cemitério de El Carmen, em meio ao cenário poeirento do deserto. Em
homenagem ao artista Amador Ballumbrosio, Damián toca seu violino, acompanhado
por sapateadores e músicos da família Ballumbrosio.
A paisagem
montanhosa e os rios profundos de Ayacucho são cenários para a música andina dos
participantes do “batismo” de uma dançarina da dança das tesouras (danza de las tijeras) e do violino de Chimango
Lares. De Ayacucho participam também o genial violonista Raúl García Zárate, o harpista Félix Quispe, Jaime Guardia
(charango) e as cantoras Magaly Solier (interpretando Coca Kintucha, em quéchua), Consuelo Jerí e Cristina Pusac.
A
contribuição de Lima vem dos músicos da Peña Don Porfirio; da “velha guarda” do Barranco e dos Bairros Altos, tocando jarana; da cantora e compositora Susana
Baca, ao lado dos legendários Carlos Hayre (baixo) e Félix Casaverde (violão); de
Mangué Vasquez (cajón); de Rosa Guzmán, interpretando Todos vuelven, em uma mesinha do mítico Bar Juanito, no bairro limenho
Barranco. Da Amazônia, Amelia Panduro dedica um ícaro aos rios perdidos da floresta.
Em uma viagem musical ao Peru não poderia faltar a cantora e compositora Chabuca Granda. A
homenagem a Chabuca vem na voz de Sara Van, em interpretação dramática e
sensual de Cardo o Ceniza: (“Cómo será mi piel junto a tu piel... /Cómo será tu
cuerpo al recorrerme...”). A cena também se passa no Bar Juanito, no Barranco, berço de importantes músicos e compositores peruanos. Uma
curiosidade do filme é que música e som foram gravados ao vivo, com direção musical
de Chano Díaz.
“O filme não
pretende ser uma antologia da música peruana. A ideia é empreender uma viagem
de retorno à identidade. Por isso, no documentário muitos dos músicos viajam a
seus lugares de origem, como se olhassem para trás e logo voltassem a seguir
tocando“, afirmou o cineasta Javier Corcuera, em entrevista à revista Somos (10/08/13).
Muitos dos músicos de Siego Siendo são pouco conhecidos na mídia, estão à margem do
mercado fonográfico ou até mesmo esquecidos. “Sigo Siendo é, além de um êxito, uma celebração da vida, e não tem nada a ver com o turístico e publicitário”, diz o crítico Sebastián Pimentel (revista
Somos, 31/08/13).
Impossível
sair do cinema sem um fiozinho de melancolia, tão característica da música
andina. Presenciei também cena pouco comum em uma simples sessão de dia de
semana: aplausos ao final do filme.
Bravo!
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