terça-feira, 16 de dezembro de 2014

OS GATOS DA PRAÇA KENNEDY




Os gatinhos da Praça Kennedy, em Lima, passeiam felizes.
São manhosos, mimados e preguiçosos.
Brancos, pretos, amarelos, malhados. Dezenas deles. 

Param aqui e ali. 
Não são ariscos. Ao contrário, tranquilos. 
Aceitam afago, atenção e comida.

Os gatos também alegram as pessoas que passam.
Crianças, casais de namorados, adultos, velhinhos e turistas. 
Posam até para fotos!

De repente, uma tensão. 
Querem tirar os gatos da Praça Kennedy: prefeitura, saúde pública, alguns moradores. 

Solução à vista.  
Uma placa avisa: adoção

Enquanto não se resolve a questão, os gatinhos continuam na praça. 
Manhosos, preguiçosos e despreocupados, em busca do aconchego de um estranho ou, quem sabe, de seu futuro dono. 

Miau!




segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

UM LUGAR PARA COMPRAR BARATO EM LIMA


Corredor da seção de roupas dos Polvos Azules

Uma leitora do blog, com viagem marcada para Lima, me perguntou se valia a pena uma visita aos Polvos Azules. Sim, vale a pena. O centro comercial é uma boa opção para quem quer comprar barato, principalmente, camisas e camisetas de marcas famosas. Os Polvos Azules ficam no distrito de La Victoria, em Lima, não muito longe do centro histórico.


Para se ter uma ideia dos preços, uma camisa Dudalina feminina de algodão custa em torno de 65 soles (cerca de 55 reais). Uma camisa polo masculina com a marca Lacoste sai por 45 soles (38 soles). Uma camisa social da mesma marca custa cerca de 60 soles (50 reais).  Na época do Natal, com cerca de 300 reais é possível comprar presente para toda a família. Nos Polvos Azules, o dinheiro rende.

Os preços podem ser ainda mais baixos, dependendo da quantidade que o cliente comprar. Por isso, sempre vale a pena pechinchar. Pelos corredores dos Polvos Azules, é fácil encontrar brasileiros e estrangeiros de várias nacionalidades, escolhendo roupas para levar de presente ou revender em seu país. 

Camisetas de várias marcas

Não vou entrar no mérito da autenticidade dos produtos. Certo é que, na seção de roupas, há camisas e camisetas de boa qualidade. Muitas marcas, como as citadas no início do texto, têm fornecedores no Peru. O país produz algodão de boa qualidade e há mão-de-obra especializada abundante na área de confecção.

Já conversei com vários vendedores do centro comercial e alguns me disseram que os produtos vêm de confecções que fabricam para grandes marcas e exportam. Outros assumem que é cópia mesmo, “mas com bom tecido e acabamento”, garantem. Outra comerciante, que não trabalha mais no local, disse-me que teve problema com a fiscalização.

Movimento – Ao turista interessado em visitar o centro comercial, recomendo que vá de manhã, por volta das 10 horas. Há menos movimento e os vendedores atendem com mais calma. À tarde, principalmente no sábado, o local fica lotado, quente. Impraticável. As melhores lojas no setor de roupas estão nas pasajes de 8 a 12.

Nos Polvos Azules também há calçados, eletrônicos, malas, produtos de decoração, roupa infantil e esportiva e praça de alimentação. Sempre bom pedir o cartão da loja onde você viu algo interessante para poder voltar depois. É que são vários corredores estreitos, com centenas de lojas quase iguais, uma ao lado da outra.

Centro comercial vende também calçados


Camisas femininas de algodão

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A TRADIÇÃO DOS TAMALES NAS RUAS DE LIMA


Dona Maritza Guevara vende tamales há 31 anos  

Uma voz alta e forte ecoa todas as manhãs de sábado e domingo em San Isidro. É dona Maritza Guevara anunciando os seus tamales. “TAMAAALEEES. TAMALES CALIEEENTES. TAMALES CALIENTES DE CHANCHO Y DE POLLO” *. E das casas e edifícios, saem os fregueses para comprar os tamales para o café da manhã ou almoço domingueiro, como é consumido tradicionalmente no Peru.

O tamal é parecido com a pamonha, só que enrolado em folha de bananeira. É feito à base de milho moído, com vários condimentos, e recheado de carne de frango ou porco. É um prato bem popular no Peru e faz parte do cardápio de todo restaurante de comida peruana. Geralmente é acompanhado de salada crioula (cebola, temperada com limão, coentro e pimentas peruanas, os ajíes).

Os vendedores ambulantes de tamales, chamados tamaleros, são uma tradição em Lima desde a época colonial. Vendedores de tamales, humitas (outro tipo de pamonha, doce ou salgada) e revolución caliente (rosquinhas de manteiga) cantavam, faziam versos e até mesmo dançavam para chamar a atenção para o seu quitute. A chegada do vendedor era esperada, nas manhãs de domingo, pela freguesia que se aglomerava a sua volta.

No Peru, o tamal é consumido tradicionalmente no café da manhã
Pela dinâmica das cidades, nos dias de hoje, os vendedores, que “gritavam ou cantavam” seus produtos nas ruas de Lima, já não atraem grupo numeroso de fregueses e curiosos ao seu redor, como outrora. Dona Maritza toca a campainha das casas dos fregueses fiéis; outros, como eu, abrem o portão, compram os tamales e puxam conversa com a vendedora. Porteiros de prédios também saem à rua para buscar os tamales encomendados pelos moradores. 

Os tempos podem ter mudado, mas a voz alta e potente da vendedora, anunciando os saborosos tamales, ainda provoca alvoroço em casa. “Mãe, olha lá os tamales. Você não vai comprar?”, diz um dos meus filhos. Meu outro filho imita a vendedora e também grita pela casa: “TAMAAALES, TAMALES CALIEEEENTES”. Sentimos falta quando a tamalera não passa no horário costumeiro. “O que será que aconteceu? A senhora dos tamales ainda não passou?!”. 

Temperos - Há 31 anos dona Maritza vende tamales. Aprendeu a receita ainda menina, com os pais, na cidade de Chincha, 200 km ao sul de Lima. O segredo de um bom tamal, conta ela, está nos temperos. Bastante alho natural amassado, gergelim e amendoim tostados e ají amarillo (pimenta suave amarela, típica do Peru). “Invisto nos ingredientes e, por isso, vendo cada tamal por 5 soles (R$ 4,30). Gergelim, amendoim e até mesmo o alho estão caros”, afirma. “Há pessoas que não investem e até acrescentam nabo para fazer a massa render”.

Dona Maritza madruga para preparar os tamales e trazê-los quentinhos a San Isidro, Miraflores e Magdalena. Vende cerca de 50 tamales a cada sábado e domingo. “Caminho toda a manhã, e antes do meio-dia já não tem mais tamales. É um longo caminho, mas eu o vejo curto porque tenho anos fazendo isso”, diz a tamalera, satisfeita e sorridente.

A vendedora de tamales em rua de San Isidro

* Tamales. tamales quentes. Tamales quentes de porco e de frango.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

10 COISAS QUE ACONTECEM NO TRÂNSITO DE LIMA

1. Os motoristas buzinam muito. Buzinam atrás de seu carro, mesmo quando o sinal está vermelho e há vários veículos parados na sua frente. 

2. Entrar numa rotatória é algo nonsense. Se você aprendeu na autoescola que quem está na rotatória tem a preferência, esqueça. Todos entram ao mesmo tempo, junto e misturado. Quem está na pista interna da rotunda vai parar, fechar todo mundo, buzinar para entrar na próxima saída à direita. Ônibus e vans de transporte público ingressam na rotatória em alta velocidade, e saia da frente quem puder.

3. Direção defensiva aqui é assim: o motorista que está na sua frente ou ao lado vai fazer barbeiragem. Esteja preparado para ser fechado a qualquer momento e para fechar alguém também.

4. Esqueça também a regra de preferência para quem vem da direita. Aqui não vale. Passa quem pode mais, é mais ousado, buzina mais, tem o carro maior ou mais batido.

5. Onde há três faixas, cabem perfeitamente cinco filas de carro. Nessa situação, cuide de seu espelho retrovisor. Ele pode ter sido fechado por outro veículo e você só se dará conta quando precisar dele no próximo cruzamento confuso.

6. Quando você sai de ré da garagem de casa não espere que outros motoristas deem passagem, em atitude gentil. Eles vão buzinar, correr para passar primeiro que você e, o mais surpreendente, passar no pequeno espaço atrás do seu carro, enquanto você dá marcha a ré.

7. Braço fora do carro para sinalizar. Taxistas e motoristas de van, principalmente, não usam a seta, mas colocam o braço fora do carro, indicando a direção em que vão virar. 

8. Não estranhe se estacionar em frente a uma casa e o segurança pedir para você sair. Alguns proprietários acham que o espaço em frente à sua casa serve somente para eles, seus familiares e amigos. Melhor não discutir...

9. Faixa de pedestre não vale muita coisa. Alguns carros param; outros, não. Pedestre também atravessa fora da faixa.

10. Apesar da bagunça, há poucas discussões e brigas no trânsito. Essa é uma grande vantagem. 

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

O TRISTE FIM DE ATAHUALPA EM CAJAMARCA


Cuarto del Rescate, onde o inca Atahualpa esteve preso no século XVI


O guia turístico que nos acompanha no passeio a Cajamarca aponta para a Praça de Armas da cidade e faz uma afirmação categórica.“Aqui ocorreu uma grande tragédia: a execução do inca Atahualpa, em 1533, depois de pagar alto resgate em ouro e prata aos invasores espanhóis”. Contam crônicas da época que Atahualpa, mantido prisioneiro por Francisco Pizarro durante meses, ofereceu em troca de sua liberdade encher o quarto onde estava preso de ouro e prata até a marca onde alcançasse sua mão estendida.

O império inca teria se mobilizado para levar a maior quantidade possível de ouro e prata a Cajamarca e libertar o soberano Atahualpa. Mas foi em vão. Pago o resgate, o inca foi levado à praça pública, batizado em rituais católicos e, em seguida, estrangulado por garrote a mando de Francisco Pizarro.

Mas, afinal, que quantidade de ouro teria sido paga como resgate? Difícil saber exatamente. Os números variam. O guia turístico Manuel Portal Cabellos, estudioso do tema e autor do livro "Oro y tragedias de los incas", disse que a quantidade de ouro poderia ter chegado a algumas toneladas. 

O lugar onde Atahualpa ficou preso é chamado Cuarto del Rescate e é um dos locais mais conhecidos e visitados de Cajamarca. O quarto é também o vestígio mais significativo do império inca em Cajamarca, que teve todas as suas construções destruídas pelos conquistadores espanhóis. “Na minha opinião, é o quarto da extorsão e não do resgate”, afirmou o guia Manuel.

A morte de Atahualpa marca o começo do fim do Império inca. Há várias versões deste fato histórico. Captura, prisão, morte e funeral de Atahualpa constituem um capítulo muito rico, importante e sangrento da história do Peru.

O que visitar - Cajamarca é uma estância de águas termais. Foi lugar de descanso dos incas Pachacutec, Huayna Cápac e Atahualpa. O distrito Baños del Inca tem várias piscinas públicas e privadas.

O Hotel & Spa Laguna Seca, onde ficamos hospedados, tem fontes de água termal e piscinas para adultos e crianças. Cada quarto tem uma banheira grande (poza), que pode ser enchida com água termal. 


Calçadão no centro de Cajamarca, próximo ao Complexo Belém
No centro histórico, chamam a atenção o Cuarto del Rescate e construções coloniais, como a catedral, o Complexo Belém, igrejas e casarões. Do mirador de Santa Apolonia tem-se uma bonita vista da cidade.  

O departamento de Cajamarca é conhecido pela produção de minérios e de laticínios. Diria até que Cajamarca é a Minas Gerais do Peru. Queijos, iogurtes, doce de leite, biscoitos de manteiga são deliciosos. Não deixe de provar o queijo mantecoso. As lojas de laticínios da rua 2 de Mayo, perto da catedral, têm grande variedade de laticínios. No aeroporto também há quiosque de produtos lácteos.  

Sítios arqueológicos – Capital do departamento de mesmo nome, Cajamarca tem cerca de 280 mil habitantes e fica no norte do Peru, nos Andes, a 870 quilômetros de Lima e 2.750 metros acima do nível do mar. Na região se desenvolveu a cultura pré-incaica cajamarca, entre os anos 200 a.C. e 1.300 d.C. Os cajamarcas se destacaram na metalurgia, arte têxtil e cerâmica.

Complexo Arqueológico Cumbemayo

Nos arredores de Cajamarca, há importantes sítios arqueológicos. Visitamos dois deles, as Ventanillas de Otuzco (a 8 km do centro) e o Complexo Arqueológico Cumbemayo (a 20 km da praça central e a 3.500 metros de altitude).

Ventanillas de Otuzco: tumbas cavadas na rocha
As Ventanillas de Otuzco foram cemitério dos nobres cajamarcas. As tumbas ficavam em orifícios escavados em pedras de origem vulcânica. As sepulturas estão vazias. Foram saqueadas após o domínio dos cajamarcas pelos incas e depredadas ao longo dos anos.     

Em Cumbemayo, estão o bosque de pedras e os chamados frailones – rochas vulcânicas esculpidas pelo vento e chuva que se assemelham a um grupo de monges. Os antigos cajamarcas construíram em Cumbemayo um aqueduto, que abastecia a aldeia localizada onde é hoje a cidade de Cajamarca. O aqueduto é uma das obras de engenharia hidráulica mais importantes do período pré-colombiano.

Agências de turismo na Praça de Armas oferecem tours a vários sítios arqueológicos da região. Os passeios que fizemos foram demorados, sobretudo a Cumbemayo. O tour a Otuzco incluiu paradas em locais sem interesse turístico - por tal motivo, recomendo contratar táxi e guia particular para o passeio. Os hotéis geralmente podem indicar bons guias e motoristas.

Impressões - O Cuarto del Rescate e a história de Atahualpa foram o que mais me chamou a atenção em Cajamarca. Claro que os banhos em águas termais foram uma delícia, e as crianças gostaram. Eu tinha expectativa meio exagerada com as  Ventanillas de Otuzco e o bosque de pedra Cumbemayo. Imaginava as Ventanillas muito maiores do que na realidade são. Ao longo dos anos, o monumento sofreu com a ação de saqueadores, vândalos e falta de preservação.   

Quanto a Cumbemayo, esperava, no imenso bosque de pedras, submergir em atmosfera meio mágica (algo como em Machu Picchu). Não foi isso que aconteceu. As pedras não eram gigantescas como imaginava. O barulho das dezenas de turistas no local também tirou o encanto do lugar, principalmente na chegada. O guia Manuel nos disse que é necessário silêncio para contemplar e sentir a paisagem, ouvir o vento, o farfalhar das folhas. Concordo plenamente com ele.  


Frailones: rochas esculpidas pelo vento e chuva em Cumbemayo 


A planta ichu, típica dos altiplanos andinos, forra os caminhos de Cumbemayo

Aquedutos de Cumbemayo: importante obra pré-colombiana da cultura cajamarca

Petróglifos em rocha próxima aos aquedutos de Cumbemayo

Quarto do Resgate:Aqui foi preso o inca Atahualpa. Ele ofereceu em troca de sua
liberdade esta sala coberta de objetos de ouro, até onde chegasse a altura
 de seu braço, e outras duas (salas) cheias de prata.





segunda-feira, 27 de outubro de 2014

BLOG ATRAI ESTUDANTES DE PORTUGUÊS

Estive no Centro de Idiomas do Senati Lima-Callao para um bate-papo sobre o blog Viver em Lima com alunos do curso intermediário de português. Fiz uma apresentação sobre como surgiu a ideia de fazer o blog, tipos de textos, aspectos pitorescos e curiosidades sobre a cidade de Lima. O convite foi feito pela professora Mónica Contreras, que segue o blog e procura sempre levar inovações para a aula, com o objetivo de propiciar maior contato dos alunos com a língua portuguesa.

Foi uma tarde especial e movimentada. Depois do bate-papo sobre o blog, os alunos peruanos fizeram uma apresentação, em português, dos setores de artes gráficas e de confecção do Senati, que é uma entidade parecida ao Senai no Brasil. A visita ocorreu dia 20 de outubro.

Fiquei impressionada com o bom nível de comunicação em português dos alunos do intermediário e a curiosidade deles sobre a cultura brasileira. Também foi muito gratificante saber da receptividade do meu blog junto aos estudantes de português. Os alunos também sugeriram temas que podem ser explorados no blog.

O curso de português do Senati começou este ano. A professora Mónica Contreras disse que a procura pelo curso de português em Lima é grande. “Há muito interesse dos peruanos pela cultura brasileira. Somos países vizinhos e é muito importante esse intercâmbio”, disse a professora.

O encontro terminou com uma confraternização animada, com quitutes peruanos e música brasileira.


Recebi da prof. Mónica diploma de agradecimento pela palestra



Prof. Mónica, eu e os alunos Susana Matos, Hilda Trujillo e José Palacios


segunda-feira, 13 de outubro de 2014

“PINTAR É O HOMICÍDIO DE UM SONHO”



Fernando de Szyszlo e um dos quadros da série Mar de Lurín, na biblioteca de sua casa, em Lima


A frase é do pintor Fernando de Szyszlo Valdelomar, um dos mais conhecidos e renomados artistas peruanos e da vanguarda latino-americana, ao se referir ao desafio do artista em passar para o quadro a forma sonhada. “Ao tratar de fixar o sonho, o artista o mata. O sonho morre entre as mãos. Há um descompasso entre o que se quer fazer e o que se consegue fazer”, diz.

Szyszlo (pronuncia-se Sislo) nasceu em Lima, no distrito Barranco, em 1925. Filho de um físico polonês e de mãe peruana. Teve contato desde pequeno com a arte, sobretudo com a literatura – Szyszlo é sobrinho do poeta peruano Abraham Valdelomar e cresceu entre os livros e as lembranças de seu tio. Também se dedica à escultura e é membro da Academia Peruana de Letras.

O artista teve importante papel no desenvolvimento da pintura abstrata no Peru e na América Latina. Sua obra sofreu influência do cubismo e da arte pré-colombiana e está espalhada em museus de vários países. Entre eles, Museu de Arte de Lima, Museu de Arte Contemporânea de Lima, Museu de Arte Moderna de Rio de Janeiro, Museu das Américas (Washington), Museu de Arte Moderna do México, Museu Guggenheim de Nova York, Museu de Arte Contemporânea de Seul (Coréia do Sul). 

Aos 89 anos, o pintor está trabalhando a todo vapor, preparando exposições no México, Estados Unidos, Colômbia e Peru. Szyszlo me recebeu na biblioteca de sua casa, um de seus lugares favoritos, em meio aos livros, quadros, esculturas, objetos de arte pré-colombiana e fotos com velhos amigos, como os escritores peruanos Mario Vargas Llosa e José María Arguedas. Com simpatia e tranquilidade, o pintor concedeu a seguinte entrevista ao blog:

O senhor teve ou tem contato com artistas brasileiros? Teve influência de algum deles?

Szyszlo - Quando morei em Paris (nos anos 50), conheci um pintor brasileiro de sucesso que se chamava Antonio Bandeira, um pintor abstrato. Em Paris, também conheci Carlos Scliar. Depois, o crítico de arte Marc Berkowitz, que escrevia em revistas e jornais no Brasil. Berkowitz organizou uma exposição minha e de um escultor peruano amigo, Joaquín Roca Rey, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1951.

Em 1951, também fomos ao Rio com um grupo que lutava muito pela arquitetura moderna no Peru. Fomos convidados pelo embaixador Orlando Leite. Nessa época, visitamos Portinari, Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy - o arquiteto que projetou o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Voltei mais tarde para fazer uma exposição na galeria Bonino, em Copocabana.

Por relações familiares, também tive contato com o Brasil. Meu cunhado, que era mexicano, foi embaixador do México no Brasil, na época do presidente João Goulart. Então, minha irmã vivia no Rio. Faz tempo que não vou ao Brasil.

O artista autografa para mim o livro "Miradas Furtivas"
O senhor viveu em outras cidades, como Paris, Florença e Washington. Como é sua relação com Lima? E do que o senhor mais sente falta quando está longe de Lima?

Szyszlo – Minha cidade é Lima. Seguramente, quando estou fora, sinto falta de meus amigos e familiares, da minha casa, do meu ateliê e biblioteca, meus lugares favoritos. Também não esqueço de que tenho o mar a um passo de minha casa. Eu nasci em Barranco, junto ao mar. São lugares muito queridos para mim.

Que mais poderia dizer-lhe? Quando vivemos em um país subdesenvolvido, adquirimos vínculos muito fortes com o país, pelo frustrante que pode ser, às vezes, morar aí. Então, durante muitos anos, fui muito pessimista com o que acontecia em meu país. Porém, de uns 10, 15 anos para cá, o futuro se abriu e me sinto mais otimista, mais confiante no Peru. As coisas estão melhorando.

Realmente, em suas últimas entrevistas o senhor tem se mostrado muito otimista. O que o senhor sonha para seu país?

Szyszlo - Tanta coisa... O Peru é um país que tem um passado tão importante. Muitas coisas boas podem acontecer aqui. Estão latentes todas as coisas maravilhosas produzidas no país, como os tecidos de Paracas, Machu Picchu, a cultura do norte do Peru. Isso demonstra que há uma matéria humana valiosa que pode lograr muitas coisas.

Além disso, o povo está mais otimista. Há progresso, sem dúvida. A classe média cresceu muito. Então, é muito difícil conter esse crescimento. A classe política, por péssima que seja, não pode conter essa avalanche, os desejos, as intenções, o trabalho do povo. As pessoas querem evoluir, querem ser felizes, realizar seus sonhos.

O espaço para arte também cresceu nos últimos anos?

Szyszlo - Claro. Quando fiz minha primeira exposição, em 1947, não havia uma só galeria de arte em Lima. Agora, há muitas galerias. Não havia também nenhum artista que vivia de seu trabalho. Agora, há.

O senhor começou estudando arquitetura na Universidade Nacional de Engenharia, em 1944, e teve dois filhos arquitetos. Imagino que o senhor seja muito crítico em relação à arquitetura de Lima, cidade que passou por crescimento desordenado nos últimos anos.

Szyszlo - Meus dois filhos eram arquitetos. Um morreu (em 1996, em acidente aéreo); o outro continua trabalhando. Lima está melhorando, pouco a pouco.

Sabe, sempre admirei a arquitetura brasileira, Niemeyer, Lúcio Costa, os Irmãos Roberto, Eduardo Affonso Reidy. E agora há novos arquitetos. O Brasil também está tendo grande ímpeto. Estive recentemente em Medellín, na Colômbia, onde preparo uma exposição. Me deu muito gosto saber que o avião em que viajava era brasileiro, da Embraer.

Como é sua rotina? O senhor pinta todos os dias?

Szyszlo - Sim, pinto todos os dias, sobretudo porque tenho compromissos. Em fevereiro, tenho uma exposição em Miami. Em maio, no México. E em julho, em Lima. Estou cheio de trabalho. No momento, estou pintando quadros grandes. Gosto dos quadros grandes.

De onde vem sua inspiração?

Szyszlo - A inspiração é uma coisa que está dentro da gente. São experiências. O crítico de arte inglês Herbert Read dizia que a arte é uma experiência cristalizada, ou seja, todo o fato de viver é uma experiência, que é transmissível. Ser artista é ter a compulsão para expressar essa experiência, comunicá-la, tirá-la da decadência do tempo e torná-la uma coisa palpável que sobreviva a nós. Claro, é uma ambição, simplesmente. Não é garantido.

Bonecos pertencentes à arte colonial de Arequipa chamam a atenção na biblioteca do pintor

Que jovens pintores peruanos se destacam atualmente?

Szyszlo - Há alguns. Neste momento toda a América Latina está contaminada pela moda e isso é não é bom para a arte. Em toda América Latina você vê instalações e quadros que são a negação da pintura. O pintor não participa em nada. Isso tem rebaixado o nível da arte. Mas não é somente na América Latina. É em todo o mundo.

Nos perguntamos por que há baixado tanto o nível da arte? Por que estamos sendo tão pouco exigentes? Então, temos que nos dar conta de que nossa sociedade se dessacralizou, perdeu-se o espírito de mistério, do incompreensível, do inefável. Tudo está sendo banalizado. Não é somente a arte que está se banalizando, mas também as relações humanas, o amor, o sexo. Quer dizer que tudo está perdendo peso e se tornando light, como dizem os ingleses.

Há como retroceder?

Szyszlo - Isso vai passar. O pintor Salvador Dalí dizia: “moda é o que passa de moda”. Isso é tudo a banalização do mundo, mas vai mudar. Há épocas na história que são assim. Na França, no século XVIII, a pintura era muito banal, muito barroca, muito insignificante, não tinha conteúdo. Fragonard e Boucher, todos esses pintores, que em seu momento foram tão importantes, já não existem. O tempo vai decantando o que vale a pena, e o tempo vai ser implacável com o que passa agora em matéria de arte. É questão de paciência, de ter fé em que o homem é mais forte que suas circunstâncias, quando são adversas.

O que pensa o senhor sobre a arte contemporânea?

Szyszlo - Penso, como lhe dizia, é banal. Uma pintura que precisa de um texto ao lado que a explique, quer dizer que não existe. Agora você vai a uma exposição, vê um quadro ou um objeto, e ao lado há uma página escrita que diz o que o pintor quis fazer. Se o artista não pode dizer por intermédio de sua pintura, sua obra não tem importância. Matisse dizia: se você é pintor, corte a língua, porque a maneira que tem de se comunicar é com a cor.

O senhor é um pintor renomado, reconhecido, suas obras são valorizadas. O senhor está satisfeito com o que produziu?

Szyszlo – De maneira nenhuma. Fiz um quadro que se chamava Mar de Lurín. Quando o terminei, me dei conta de que o quadro não era o que tinha em mente. Então, voltei a tentar de outra forma e, assim, resultaram 30 ou 40 quadros, porque não conseguia tirar o que havia dentro de mim. Havia conseguido apenas um pedacinho, um fragmento do que queria. A insatisfação com o trabalho acabado é constante. Nunca me senti satisfeito com um quadro. É um desafio tão frustrante sempre ficar com um pouco, um pedacinho, um fragmento do que se queria. A meta sempre está adiante.

Eu sempre digo, pintar é o homicídio de um sonho. Ao tratar de fixá-lo, o artista o mata. O sonho morre entre as mãos. Então, o quadro vem a ser o espólio de uma batalha, não o butim. O que resta deste combate é o quadro, mas ao final você não conseguiu o butim.

A distância entre o que se imagina e o que se produz acontece com a literatura também?

Szyszlo - Creio que, guardando as diferenças, isso acontece com todo artista. Há um descompasso entre o que se quer fazer e o que se consegue fazer. Talvez isso não tenha ocorrido com certos artistas do Renascimento, como Leonardo, Tintoretto, Ticiano. Eles tiveram direito de se sentir satisfeitos com o que faziam. Mas para todos os demais é uma derrota.

O homem do Renascimento era mais seguro...

Szyszlo – Sim. Mais perfeito, mais completo. O homem acreditava em Deus, acreditava no futuro, na vida eterna. Era um mundo mais estável. Nosso mundo é um mundo destroçado, fragmentado, em que ninguém tem um conceito seguro. Vivemos a insegurança, a insatisfação, a frustração. E isso é o que produzimos em matéria de arte.


Szyszlo e a autora deste blog. Ao fundo outro quadro da série Mar de Lurín


Intihuatana, escultura de Szyszlo em Miraflores, Lima. Intihuatana era um tipo de relógio solar dos incas


segunda-feira, 29 de setembro de 2014

PRA QUE DISCUTIR COM MADAME ?!

O ilustre Houaiss já definia senhorita como forma de tratamento cerimonioso dispensado a moça solteira. No Peru, señorita é usado sem muita cerimônia, para mulheres solteiras ou casadas, jovens ou nem tanto. É um tal de señorita pra lá, señorita pra cá.

Logo que me mudei para Lima, eu me sentia até lisonjeada ao ser chamada de señorita. Percebi depois que a forma de tratamento é usada de maneira aleatória. Engraçado é que de Madame Perreirá, como era sempre tratada na Bélgica, onde morava antes, passei rapidamente a señorita Ana.

E não é só señorita, não. Os peruanos usam também señora, é claro, e informal e carinhosamente, mi reina, mamita linda, mamacita linda, mami linda. O tratamento não é só para quem tem cara de mãe. Uma menina pode ser chamada de mami. Meus filhos estranham quando algum peruano os trata de papá, papito ou simplesmente jovencito, o que é mais adequado para a idade deles.

Em alguns casos, o uso fortuito de señora ou senõrita pode até gerar desentendimento. Estava em uma loja de tecidos em Lima e o vendedor, um senhor muito gentil, me chamou várias vezes de señorita. A certo momento, perguntou se deveria me tratar de señora ou señorita.

“Pergunto isso, porque uma vez atendi na loja uma mulher idosa e a chamei de señora várias vezes. De repente, a mulher se irritou e me disse que eu a desrespeitava, porque ela era solteira e devia ser tratada de senhorita, apesar da avançada idade. Depois dessa, sempre pergunto à cliente como devo tratá-la”, contou-me ele.

Sorri e concordei com o vendedor, apesar de eu não me importar muito com essas formas de tratamento. “É, melhor perguntar antes e evitar confusão com a freguesa”, disse eu.

E... pra que discutir com madame ?!, já cantava o sambista.


terça-feira, 23 de setembro de 2014

AVISOS INSÓLITOS EM PLACAS NO PERU

Quando viajo, gosto de reparar em placas e anúncios, observar peculiaridades de conteúdo, linguagem e termos em espanhol que soam engraçados em português. Dificilmente consigo fotografar as placas com o carro em movimento, mesmo na posição de passageira. Nem sempre é possível parar ou reduzir velocidade para capturar a imagem no momento certo. 

Em duas regiões diferentes do Peru, vi uma placa que me chamou a atenção pelo conteúdo, digamos assim, um tanto ameaçador. Transcrevo o que dizia a placa, mesmo porque não seria prudente de minha parte parar para fotografá-la:


PROPIEDAD PRIVADA

NO DETERNERSE

ORDEN DE DISPARAR

(Propriedade privada. Não parar. Ordem de disparar)

Vi uma placa assim em trecho de rodovia em Chincha, 200 quilômetros ao sul de Lima. Outra placa foi em Piura, quase mil quilômetros ao norte de Lima. A placa de Piura citava também uma resolução judicial, o que parecia fundamentar a ordem de disparar. 

Señorita – Cartazes com anúncio em busca de vendedor são comuns no comércio. Neste caso, a palavra señorita aparece como sinônimo de vendedora, em vez de ser utilizada como forma de tratamento. Em português pode soar um pouco estranho, mas o uso é correto. Segundo o dicionário da Real Academia Espanhola, a palavra señorita é também tratamento de cortesia dispensado a mulheres que desempenham funções como de secretaria, funcionárias da administração e comércio.


Necessita-se de uma vendedora de boa aparência. Meio período

Se a necessidade for de um moço em tenra idade para trabalhar em determinada atividade, a palavra utilizada em castelhano é jóven. Neste caso, funciona como masculino de señorita.

Necessita-se de moço ou moça para panfletagem (publicitária)

Banheiros no Peru são servicios higiénicos ou somente servicios. E melhor saber usá-los, conforme vi em cartaz em um museu, na cidade de Ayacucho.


Os banheiros são somente para pessoas que sabem utilizar e cuidar.
Do contrário, deverá procurar uma latrina

E no intento de ensinar bons modos aos visitantes do mesmo museu, sobrou para o pobre burrico, sem culpa no cartório, que não tinha nada a ver com a história:


Não seja como eu. 
Cumprimente, cumprimentar não custa nada.